Artigo redigido por Rui Rodrigues, Solicitador com a cédula nº 5931
Neste espaço que nos foi gentilmente concedido, abordamos a questão das heranças, mais concretamente no que diz respeito às obrigações e consequências que acarretam. Trata-se de um tema capital, que adquire especial importância visto que todos, num momento ou noutro das nossas vidas, temos que enfrentar as duras diligências ligadas ao falecimento de um familiar próximo. E, no caso dos nossos compatriotas espalhados pelo mundo, junta-se a distância a Portugal e o desconhecimento das regras e procedimentos naquele país.
Assim, temos os nossos compatriotas que, além de terem de lidar com a dor da perda, lidam com um penoso processo burocrático para cumprirem as obrigações inerentes à sucessão. E têm muitas vezes de lidar com bens que lhe foram deixados, no estrangeiro, mas também em Portugal, como é muito frequente nas heranças ligadas à comunidade Portuguesa. Estamos, quando assim é, perante “sucessões internacionais”, que tanta tinta fazem correr e que tanta confusão geram quer nos particulares, quer até em diversas instituições públicas e privadas.
As duas principais questões que decorrem de uma sucessão internacional são, por um lado a lei aplicável e por outro as obrigações dela decorrentes (sobretudo de natureza fiscal).
No que respeita à lei aplicável, existe hoje um Regulamento Europeu que determina que, na falta de testamento no qual o falecido tenha escolhido a lei aplicável à sua sucessão, será competente a Lei do país no qual o falecido tinha a sua residência habitual. A residência habitual é determinada em função da duração e da regularidade da permanência do falecido no país em causa, bem como as condições e as razões dessa permanência. Determinando-se a residência habitual, temos imediatamente determinada a lei aplicável à herança. Para ilustrar facilmente o que explicamos, tomemos um emigrante Português como exemplo – Reformado, permanece em França nove meses e está cerca de três em Portugal. Fica claro que a sua residência habitual é em França, sendo que então a lei aplicável à sua sucessão é a lei Francesa.
É, no entanto, importante esclarecer que o regulamento europeu mencionado não regula questões fiscais – os impostos – e cabe a cada um dos países determinar quem deve pagar impostos numa sucessão e o montante desses impostos. Ou seja, o Regulamento determina a Lei aplicável à sucessão, determina, por exemplo, quem são os herdeiros do falecido, como se faz a partilha, etc, mas em termos fiscais, cada país é livre de determinar o que deve ser declarados às finanças. A título de exemplo, O Estado Francês obriga a que os seus residentes fiscais declarem todos os bens, que se encontrem em França, ou no estrangeiro, caso o falecido fosse residente em França no momento do óbito, ou caso os herdeiros tenham sido residentes em França, pelo menos seis anos nos últimos dez. Isto faz com que os herdeiros que tenham tido residência em França seis anos nos últimos dez, tenham de declarar em França, além de todo o património aí existente, também os bens que o falecido tinha em Portugal. O mesmo acontece quando o falecido tenha residência em França no momento do óbito, mesmo que os herdeiros residam em Portugal.
Obviamente a declaração fiscal tem como consequência o pagamento de imposto sucessório sobre os bens declarados. Nesta matéria, Portugal tem uma legislação “amigável”. Nas sucessões nas quais os herdeiros sejam descendentes (filhos, netos, etc.), ascendentes (pais, avós, etc.) e cônjuge (marido, ou mulher), não existe imposto sobre a sucessão, pelo que não haverá imposto a pagar sobre os bens deixados pelo falecido. Contudo há países, como a França no qual se continua a aplicar imposto sobre a sucessão que em alguns casos pode chegar a 45% do montante herdado. E como referimos este montante aplica-se não somente aos bens Franceses, mas também aos Portugueses, nos casos em que a Lei Francesa considere que tem direito a taxar esses bens, como explicamos.
Em suma, torna-se necessário, no quadro de uma sucessão internacional, desde logo perceber que trâmites devemos cumprir, em que países o devemos fazer, quais os prazos e as consequências. Se o Regulamento Europeu facilita a tarefa no que respeita à aplicação de uma única lei à integralidade sucessão, o facto de cada país manter políticas fiscais díspares na matéria e não existindo acordos entre eles para impedir a dupla tributação no que respeita a imposto sucessório, faz com que os problemas se mantenham, devendo os profissionais da área (notários, advogados e solicitadores) ser capazes de trazer respostas concretas às situações específicas de cada caso.
Artigo redigido por Rui Rodrigues, Solicitador com a cédula nº 5931